
Limites planetários
07/05/2025“ESG está acabando”: realidade ou sensacionalismo de mídia?
Você já leu / escutou isso? ESG está com dias contados… ESG está em declínio… empresas não ligam mais para ESG…
Nos últimos anos, ESG virou mantra: essas letras passaram a figurar em relatórios corporativos, discursos institucionais, metas de conselhos e campanhas de marketing com a frequência de palavras como “lucratividade” e “crescimento sustentado”. E, de repente, surgem artigos, podcasts e CEOs afirmando: o tempo do ESG está terminando. Mas está mesmo?
É inevitável que o sucesso de um conceito traga seu desgaste. A popularização em excesso, quando não acompanhada de profundidade, gera distorção. ESG começou como uma tentativa de integrar fatores não financeiros à avaliação de riscos e oportunidades nos negócios. Tornou-se, com o tempo, um guarda-chuva para quase tudo: sustentabilidade ambiental, equidade social, governança corporativa, diversidade, combate ao trabalho análogo ao escravo, integração comunitária, saúde mental, direitos humanos e mais uma lista crescente de boas intenções.
O problema não é o conceito. O problema é o uso. E o abuso.
Da prática à propaganda
Não é surpresa que muitos digam que o ESG está perdendo força. Parte disso se deve à constatação de que, para muitas empresas, ESG nunca passou de um verniz reputacional. Greenwashing, social washing, purpose washing e afins são termos que revelam a maquiagem corporativa sobre práticas que, no fundo, continuam indiferentes a questões socioambientais.
O escândalo recente(1) envolvendo fundos que vendiam “investimentos ESG” e alocavam recursos em empresas poluidoras ou com histórico de violações de direitos humanos apenas alimentou a desconfiança. A própria SEC (Securities and Exchange Commission), nos Estados Unidos, passou a investigar o uso indevido da sigla em prospectos de investimento. Isso corroeu a confiança em boa parte do mercado.
No Brasil, o cenário tem suas peculiaridades. Algumas empresas usam o discurso ESG para agradar investidores estrangeiros ou disputar prêmios de sustentabilidade enquanto terceirizam o desmatamento, precarizam relações de trabalho e mantêm estruturas opacas de governança. Isso fica evidente com casos de mineradoras, frigoríficos, redes varejistas e grandes construtoras que ostentam compromissos ambientais e sociais, mas acumulam multas, autuações e passivos ocultos.
Quando empresas com histórico conhecido de violações aparecem entre as mais bem avaliadas em rankings ESG, a credibilidade do conceito se desfaz. E não é por acaso que, nesses momentos, propagam: “ESG está com dias contados”.
O incômodo da ideologia
Outro fator que impulsionou a narrativa de que o ESG está com os dias contados é sua associação com pautas identitárias e progressistas. Em alguns mercados, especialmente nos Estados Unidos, o termo passou a ser usado como sinônimo de “agenda woke”, o que gerou reações de grupos conservadores e movimentos políticos.
Empresas que se posicionavam publicamente em temas sociais passaram a ser vistas como politizadas demais. Governadores e parlamentares chegaram a proibir investimentos públicos em fundos com foco ESG(2), acusando-os de “boicotar a indústria de combustíveis fósseis” ou de “interferir em valores tradicionais”.
Esse ruído ideológico contribuiu para o esfriamento do termo em parte do mundo corporativo. Grandes gestoras de recursos, como a BlackRock(3) – maior fundo de investimentos do planeta -, passaram a evitar a sigla e preferem termos como “sustentabilidade corporativa” ou “gerenciamento de riscos climáticos” – ainda que continuem aplicando os mesmos princípios internamente.
No Brasil, esse viés também encontra resistência. Há quem enxergue o ESG como pauta importada e desconectada da realidade de empresas que operam em regiões com baixa institucionalidade, infraestrutura precária e relações de trabalho frágeis. Mas a rejeição ao termo não implica rejeição à essência do que ele representa.
ESG como hype ou como framework?
Porém, dizer que o ESG está “acabando” é uma simplificação perigosa. O que está em declínio é a versão superficial, oportunista e excessivamente marqueteira do ESG. O que está sendo questionado é a falta de padronização, a confusão entre prática e discurso, a lacuna entre relatório bonito e realidade corrupta.
Mas os fundamentos do ESG continuam em pauta.
Não é por acaso que a União Europeia está apertando a legislação sobre due diligence e relatórios de sustentabilidade(4). Que o ISSB lançou padrões globais de disclosure (5). Que os grandes fundos ainda exigem compromissos sociais e ambientais de suas investidas.
A sigla pode ser repensada, renomeada, reestruturada. Mas a integração de fatores socioambientais e de governança no centro das decisões de negócio não está com os dias contados. Ao contrário, está sendo institucionalizada.
Substituir o ESG? Por o quê, exatamente?
Alguns analistas sugerem que o ESG está sendo substituído por abordagens mais objetivas, como o “capitalismo de stakeholders”(6) ou o “valor sustentável de longo prazo”(7). Outros preferem falar em “impacto social corporativo”(8) ou “gestão de riscos não financeiros”(9). Mas, convenhamos: é só roupagem nova para o mesmo conteúdo.
Na prática, a maioria dessas propostas apenas busca driblar o desgaste da marca ESG. Não se trata de substituição de paradigma, mas de tentativa de sobrevivência de um modelo que ainda faz sentido, mas está perdendo sua aura em algumas frentes.
Então… ESG está acabando ou não?
Não, não está. Pode-se dizer que está mudando em alguns discursos. O que vem desaparecendo é a associação da sigla com o entusiasmo ingênuo, a narrativa encantada, a promessa de que responsabilidade e lucratividade andariam sempre de mãos dadas sem esforço. E, com isso, oportunismo de quem quer se fazer famoso com uma nova sigla e se rotular como moderno.
Quase vinte anos após sua formulação, ESG já é parte do vocabulário corporativo. E há um movimento de depuração em curso, em que a retórica está sendo forçada a se alinhar à prática. É a crítica do Elon Musk por a Tesla não fazer parte do índice S&P 500 ESG, mas a ExxonMobil, sim.
Se a embalagem ESG pode estar perdendo prestígio, o conteúdo – a incorporação de critérios ambientais, sociais e de governança nas decisões empresariais – segue inevitável.
A ideia de que empresas impactam e são impactadas por seu entorno não depende de sigla. Se o ESG está com os dias contados como marca, seu legado permanece, por mais curto que possa ser. E vai continuar – com outra cara, talvez – mas com o mesmo desafio: transformar discurso em coerência… e coerência em valor real.
Fontes:
(1) https://www.sec.gov/newsroom/press-releases/2024-179
(4) https://www.corporate-sustainability-due-diligence-directive.com/
(6) https://www.amcham.com.br/blog/capitalismo-de-stakeholders
(7) https://www.agazeta.com.br/artigos/a-pressao-pela-geracao-de-valor-sustentavel-de-longo-prazo-1021
(9) https://www.denetim.com/pt/hizmetler/stratejik-risk-yonetimi/finansal-olmayan-riskler/
Kesley Barbosa – https://www.linkedin.com/in/kesleybarbosa/
Sócio-fundador da Exemplaris, advogado especialista em requisitos legais
21.05.2025