Sistema de gestão: normas técnicas e sua relação

Este é o 3º de 4 artigos que objetivam te ajudar a entender, de uma vez por todas, o que é um sistema de gestão.

Capítulo 3: sistema de gestão e normas técnicas

3.1 O que são normas técnicas?

3.1.1 O básico

Imagine que alguém precise resolver um problema difícil e complexo e não saiba como – e uma simples consulta à internet não seja o suficiente. Uma opção que se apresenta é essa pessoa buscar um documento elaborado por especialistas com um passo a passo que descreve como solucionar a questão.

Esse documento pode ser considerado uma norma técnica (NT).

Uma NT é elaborada por peritos, por quem tem expertise num determinado assunto e ela descreve como executar uma atividade ou prestar um serviço ou como fabricar ou testar um produto. Imagine que é o melhor conhecimento técnico possível, por escrito, sobre como fazer algo.

De forma geral, “norma” é diretriz, conduta, ordem, regra, regulamento, roteiro, padrão.

E “técnica” é algo versado numa atividade, é perito, é sobre um ramo específico de conhecimento.

Então “norma técnica”, num conceito bastante amplo, é um documento sobre como fazer algo. E não é algo obrigatório: uma norma técnica é criada por qualquer um que a queira elaborar e também só é adotada por quem a quiser seguir. Norma técnica não é lei, não é obrigatória para todos.

3.1.2 Não tão básico

Esse conceito não pode ser assim tão amplo: ele precisa ser melhor delimitado, ele precisa de mais clareza, de mais exatidão.

Com o tempo, uma norma técnica recebeu limites conceituais para ser entendida como tal. Se uma pessoa escreve um texto pessoal sobre como executar uma atividade, baseada nos conhecimentos dela, isso não é formalmente uma norma técnica.

Entendeu-se que quem elabora uma norma técnica deve ter proficiência para isso, deve ser uma empresa, uma organização (ou um seu departamento, seção, área) especificamente voltada para tanto. É produção intelectual e que é comercializada.

Atualmente o conceito de normas técnicas se aproxima mais de documentos elaborados por organismos (nacionais ou internacionais) que definem requisitos, especificações e boas práticas para produtos, serviços, processos e sistemas.

Essas normas visam garantir qualidade, segurança, confiabilidade e interoperabilidade de produtos e serviços, além de promover a padronização e a harmonização em diversos setores da economia.

Em tese, qualquer um que tenha conhecimento de algo pode elaborar uma norma técnica, mas isso não significa que ela será de boa qualidade ou que outras pessoas irão querer segui-la.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é a entidade reconhecida pelo governo brasileiro como responsável por gerenciar a normalização no país. Existem incontáveis os outros organismos, mas a ABNT é o principal e oficial. Na Argentina, o IRAM; no Japão, o JISC; nos Estados Unidos, ANSI; no Canadá, SCC; Reino Unido, BSI.

A ABNT elabora normas técnicas conhecidas como NBR ou Norma Brasileira. O seguinte texto existia em seu site (http://www.abnt.org.br/imprensa/releases/5698-normas-tecnicas-voce-sabe-o-que-e-e-para-que-servem) e era bastante útil no entendimento desse assunto:

O que é uma Norma Técnica Brasileira?

A definição internacional de norma diz que é um “documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece, para uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou características para atividades ou seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto.”

A esta definição podemos acrescentar a recomendação de que “convém que as normas sejam baseadas em resultados consolidados da ciência, tecnologia e da experiência acumulada, visando à otimização de benefícios para a comunidade.” Ou seja, as Normas técnicas fazem as coisas funcionarem. Elas fornecem especificações de classe mundial para produtos, serviços e sistemas. Garantem a qualidade, a segurança e a eficiência.

O conteúdo das normas técnicas abrange diferentes áreas como elétrica, acessibilidade, documentos acadêmicos, desempenho de edificações, responsabilidade social, gestão de reformas, representação de projetos em arquitetura e engenharia, em quase todo tipo de indústria, de tecnologia a segurança de alimentos, a agricultura e serviço de saúde.

Seguem exemplos de NBRs para se ter uma ótima ideia do que elas podem tratar:

• NBR 5410 – Instalações elétricas de baixa tensão
• NBR 5413 – Iluminância de interiores
• NBR 5419 – Proteção contra descargas atmosféricas
• NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos
• NBR 9077 – Saídas de emergência em edifícios
• NBR 10151 – Níveis de ruído para conforto acústico
• NBR 10898 – Sistemas de iluminação de emergência
• NBR 11742 – Cilindros para gases industriais e medicinais – Manuseio
• NBR 13133 – Armazenamento de líquidos inflamáveis e combustíveis
• NBR 14724 – Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos – Apresentação
• NBR 15287 – Projeto de pesquisa
• NBR 15526 – Segurança de máquinas – Prevenção de partida inesperada
• NBR 15575 – Edificações habitacionais – Desempenho
• NBR 16200 – Segurança contra incêndio em edificações – Edificações industriais, comerciais e de serviços
• NBR 16280 – Reforma em edificações – Sistema de gestão de reformas

3.2 Adoção voluntária ou obrigatória

Em regra, adesão às normas técnicas é voluntária, ou seja, segue uma norma técnica quem quiser seguir.

É claro que é altamente recomendável, visto que são resultado de expertise e de comprovação científica.

Entretanto há normas legais (leis, decretos, resoluções) que obrigam ao atendimento de algumas normas técnicas específicas. Veja-se o seguinte exemplo:

RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 08 de março de 1990

I – A emissão de ruídos, em decorrência de qualquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.

VI – Para os efeitos desta Resolução, as medições deverão ser efetuadas de acordo com a NBR 10.151 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da ABNT.

Conama é o Conselho Nacional do Meio Ambiente e é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Essa resolução do Conselho exige o atendimento de uma norma técnica da ABNT – que, pois, deixa de ser facultativa e se torna obrigatória, por decorrência de exigência legislativa.

Há diversas normas legais que determinam o cumprimento de normas técnicas. É nesse caso em que as NTs se tornam obrigatórias, mas apenas nos limites estabelecidos pela legislação.

3.3 Tipos de normas técnicas

Existem vários tipos de normas técnicas a depender de sua finalidade ou sua aplicação:

• Normas de produto: definem requisitos para as características de um produto, como materiais, dimensões, desempenho e segurança.
• Normas de processo: definem requisitos para a forma como um processo deve ser realizado, para garantir a qualidade e a consistência do produto final.
• Normas de serviço: definem requisitos para a qualidade dos serviços prestados, como atendimento ao cliente, tempo de resposta e resolução de problemas.
• Normas de sistemas: definem requisitos para a gestão de um sistema, como a estrutura organizacional, os processos, os recursos e as responsabilidades.

Nosso foco são as normas de sistemas.

Tudo o que foi apresentado até aqui sobre sistemas de gestão decorre de conhecimento tanto prático quanto teórico sobre eles. Na parte teórica, existem modelos de sistema de gestão que já foram pensados num formato específico por empresas especializadas em elaborar nomas técnicas.

3.4 Exemplos de normas técnicas relevantes para sistemas de gestão

Diversas normas técnicas estabelecem modelos para sistemas de gestão, tais como:

• ISO 9001: Sistema de gestão da qualidade, focado na melhoria contínua da qualidade dos produtos e serviços da organização.
• ISO 14001: Sistema de gestão ambiental, focado na prevenção da poluição, na minimização de impactos ambientais e na promoção da sustentabilidade.
• ISO 27001: Sistema de gestão da segurança da informação, focado na proteção da confidencialidade, integridade e disponibilidade da informação da organização.
• ISO 45001: Sistema de gestão de segurança e saúde ocupacional, focado na prevenção de acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e na promoção da saúde e bem-estar dos colaboradores.
• ISO 26000: Sistema de gestão em responsabilidade social, focado na proteção de direitos humanos e no tratamento digno das pessoas.
• NBR 16001: Sistema de gestão em responsabilidade social, focado na proteção de direitos humanos e no tratamento digno das pessoas.
• SA8000: Sistema de gestão em responsabilidade social, focado na proteção de direitos humanos e no tratamento digno das pessoas.

Observe-se que os 3 últimos exemplos são de normas técnicas para implantação de sistemas de gestão em responsabilidade social elaboradas por 3 organismos distintos: cada um tem seu formato, seus requisitos, sua complexidade, seus objetivos – mesmo que versem sobre um mesmo assunto, sobre um mesmo escopo.

A partir do momento em que uma empresa decide implantar um sistema de gestão, a escolha do modelo influenciará a complexidade do sistema, seu alcance, sua aplicação no dia a dia.

Nesse sentido, é inegável reconhecer que a ISO conseguiu desenvolver um modelo de sistemas de gestão que é aceito globalmente e isso atesta que o modelo apenas organiza as empresas e não busca depreciar ou mudar sua essência.

3.5 Importância das normas técnicas para os sistemas de gestão

As normas técnicas desempenham um papel fundamental na implementação e na operação de sistemas de gestão, pois:

• Podem ser utilizadas como base para a definição de objetivos e metas para o sistema de gestão, o que garante que o sistema esteja alinhado com as melhores práticas do setor.
• Fornecem diretrizes para a implementação de processos no sistema de gestão, o que garante que os processos sejam eficazes, eficientes e consistentes com os requisitos da norma.
• Fornecem critérios para a avaliação do desempenho do sistema de gestão, o que permite identificar áreas de melhoria e tomar medidas corretivas.
• Fornecem uma base para a certificação: a certificação em normas técnicas reconhecidas internacionalmente demonstra o compromisso da organização com a qualidade, a segurança, a responsabilidade social e a sustentabilidade, o que pode trazer diversos benefícios para a empresa.

3.6 Funções das normas técnicas na padronização e melhoria de processos

As normas técnicas contribuem para a padronização e a melhoria de processos de inúmeras formas:

• Elas definem requisitos mínimos que devem ser atendidos para garantir a qualidade, segurança e confiabilidade dos produtos e serviços.
• Elas facilitam a harmonização de produtos e serviços em diferentes mercados, reduzem barreiras comerciais e promovem um comércio internacional melhor organizado.
• Elas podem incentivar a inovação ao estabelecer um marco de referência para o desenvolvimento de novos produtos e serviços.
• Elas buscam garantir que todas as empresas possam competir em um ambiente justo e transparente, de forma a evitar práticas desleais e proteger os consumidores.

Se diversas empresas implementarem um sistema de gestão com base na mesma norma técnica, então se criará um padrão de organização nessas empresas, o que permitirá:

• Aumentar a credibilidade junto a clientes, fornecedores e investidores.
• Melhorar a imagem da empresa no mercado.
• Acessar novos mercados e oportunidades de negócio.
• Facilitar a obtenção de financiamentos e linhas de crédito.
• Reduzir riscos de acidentes, incidentes e falhas.
• Aumentar a satisfação dos colaboradores.

É claro que cada empresa tem sua cultura, tem seus valores, sua essência, sua forma de agir. Um sistema de gestão informado por uma norma técnica não altera essa natureza de cada empresa porque ele apresenta um modelo de eficiência, de organização, de busca de propósito e não de propósito em si.

 

Kesley Barbosa

04.08.2024